De que falamos quando falamos de talento

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O talento não é apenas a facilidade natural que alguém tem para realizar uma tarefa; pelo menos não é desta vertente que falamos, quando falamos de talento numa organização, num projeto, e muito menos quando falamos de reter este talento.

É evidente que o talento é a aptidão, a capacidade, o comportamento inato favorável para que as coisas corram bem, mas, acima de tudo, trata-se da formação, da experiência, da utilização das ferramentas necessárias para acrescentar valor a uma organização e, simultaneamente, é o conhecimento que a pessoa tem da organização, dos objetivos e dos propósitos desta.

Surge então uma componente muito interessante e atual: hoje é muito difícil reter talento se, além do necessário conhecimento inerente a uma função / causa, não conseguirmos que esta pessoa assuma como próprio tal projeto. Qualquer pessoa que passe a integrar uma organização deve estar ciente do propósito desta. Vivemos num mundo VUCA, um mundo em que existem estímulos que nos distraem constantemente, como é o caso das redes sociais e do incessante bombardeamento de informação que nelas ocorre, estando cada vez mais expostos a assuntos sobre os quais, paradoxalmente, sabemos cada vez menos e, consequentemente, aquilo que não conhecemos, imaginamos.

Tomemos como exemplo o caso de uma empresa local da qual, curiosamente, nunca tínhamos ouvido falar até que um dia ficamos a saber que é vendida por vários milhares de milhões de dólares, tornando instantaneamente ricos os donos, um grupo de rapazes na casa dos 20 anos que, em princípio e a julgar pela leitura do feed do Twitter, acertaram numa ideia, quase como quem acerta na lotaria. Não queremos saber mais, nem sequer nos interessa; queremos apenas alimentar esta ilusão do sucesso instantâneo. Até há poucos anos, a riqueza prematura era um estado alcançado quase em exclusividade por desportistas de elite e por algum artista excecional e, com um pouco de bom senso, percebíamos que jamais poderíamos ter estado no lugar deles. Quando se trata da empresa, as coisas não são tão fáceis de digerir. Porque é que eles conseguem e eu não?

Neste contexto, é muito difícil atrair profissionais e manter vigente esta atração de forma a gerar talento que sirva tanto a pessoa quanto a organização. A primeira conclusão, então, seria que reter o talento implica ganhar tempo para dotar de ferramentas uma pessoa apta, disposta, capaz, uma pessoa que tem facilidade para que todas as engrenagens com as quais se relacione trabalhem melhor num projeto, numa empresa. Para tal, é fundamental que esta pessoa acredite no projeto, no propósito, pelo qual assuma a responsabilidade, ciente de que está a escolher um projeto que não tem todas as respostas imediatas e definitivas no que respeita à satisfação imediata, que parece ser o que todos procuram incessantemente nos dias de hoje. É um desafio, é difícil, implica muitíssimo mais esforço por parte das organizações, exige muito mais dos líderes, porque não se alcança a mandar e a dirigir.

“A boa gestão de talento implica incentivar a inclusão, fazer que as pessoas sejam parte, dedicar tempo a explicar a aspiração, os propósitos, os objetivos, os porquê e os para quê”

A boa gestão de talento implica incentivar a inclusão, fazer que as pessoas sejam parte, dedicar tempo a explicar a aspiração, os propósitos, os objetivos, os porquê e os para quê. É evidente que haverá quem partilhe desta visão e metodologia, mas outros não o farão, e é exatamente isto de que tanto a organização quanto as pessoas necessitam. Apenas uma comunicação honesta poderá resultar num vínculo são e construtivo.

Neste ponto, ganha uma relevância fundamental um aspeto que, até há pouco tempo, parecia acessório ou, no melhor dos casos, era considerado resultado natural da passagem do tempo: a identidade corporativa. A identidade corporativa, a identidade de um projeto, define a margem de manobra que temos para agir, até onde somos reconhecíveis, merecemos confiança e somos credíveis. É necessário compreender o que é e o que não é a organização – o que é hoje e poderá ser amanhã, o que nunca deixará de ser e o que nunca será, por muito que queiramos. Trata-se de uma questão muito importante na gestão do talento, pois evita deceções, evita que a pessoa sinta que o projeto que assumiu não é o mesmo em que está envolvida.

Há um desafio muito grande que tem a ver com a comunicação, com a transparência, com a autenticidade, e mesmo com a franqueza, com a confiança que alguém demonstra enquanto líder de uma organização quando, inclusivamente, está disposto a revelar que não tem todas as respostas, tem apenas algumas muito valiosas e fundamentais, e que as restantes respostas terão de ser encontradas em conjunto, com as pessoas que vão sendo integradas, o que exige uma grande humildade da parte dos líderes. Esta humildade é contagiosa, e deve sê-lo, sendo parte do crédito que, de alguma forma, vamos recebendo, no vínculo com um profissional que pode estar tentado a dizer que quer a recompensa dele rapidamente, que quer chegar rapidamente, que a merece já.

Coloca-se também outra questão fundamental da gestão de talentos, que é a definição precisa de objetivos, que surjam de um sistema conhecido, comprovado, transparente, aberto e, em última análise, justo. Qual é o sistema de recompensas, associado à aspiração e aos propósitos de uma organização, bem como à função de cada um dos respetivos membros? É o resultado de tudo o que foi referido: os objetivos são o encadeamento da partilha e da aposta.

Os objetivos têm de ser absolutamente claros, a métrica dos indicadores de performance deve ser de uma precisão que não admita dúvidas, porque se trata do contrato no qual elencamos o que esperamos de cada pessoa na organização. Os objetivos tornam transparente o vínculo entre a organização e os respetivos membros, bem como entre os integrantes da organização que os partilham. Se a definição dos indicadores de performance é quase uma ciência exata, a definição global dos objetivos de uma organização e a idealização de objetivos que se inter-relacionam entre áreas e equipas são uma arte.

As pessoas talentosas procuram desafios e organizações que estejam à altura do talento que têm. Por este motivo, a definição de objetivos desafiantes é a de que são algo que as pessoas de valor exigem e de que as pessoas medíocres fogem. Os objetivos representam uma noção de justiça, no sentido em que atribuem a cada um o que lhe corresponde, e o cumprimento gera recompensas vinculadas à performance.

O impacto da tecnologia e a liberdade de fazer

Outras das questões que importa abordar brevemente são: a liberdade e a tecnologia. As pessoas talentosas procuram ambientes livres para se desenvolverem, porque confiam no próprio talento, na preparação que têm, pelo que preferem arriscar. As que não estão preparadas, que não confiam nas próprias capacidades, procuram ambientes regulados, que promovam os subsídios, as compensações. Num mundo como aquele em que temos de viver, confinados, promoveu-se ainda mais esta liberdade.

Segundo o relatório de Tendências de Talento 2021, um dos principais enfoques está no estabelecer de novos modelos de relação entre as empresas e os colaboradores, tentando romper práticas de modelos obsoletas e estruturadas implementadas há anos, de modo a passar para novos modelos flexíveis e recetivos às novas necessidades das pessoas.

Conceitos como «Da employee experience à life experience», «do trabalho remoto ao híbrido» e «do where ao when», traçam um caminho muito claro de maior flexibilidade, maior liberdade e de maior empatia com os colaboradores (competências pessoais).

Quando falamos de Tecnologia, falamos também das capacidades dos colaboradores. Conceitos como «requalificação» e «melhoria de competências» existem há muito, mas passaram agora a ser fundamentais para as empresas que procuram compreender, formar e reter colaboradores. Desde os chamados «Colaboradores eternos», «Contínuos aprendizes» ou «Os novos managers», projeta-se o caminho da identificação, da formação e do treino dos colaboradores, em vez da preocupação com a contratação no mercado, aumentando, assim, o impacto positivo dentro da empresa e gerando uma cultura na equipa e um sentimento de pertença. A mais conhecimento corresponde mais liberdade.

Neste sentido, a tecnologia é hoje a ferramenta mais poderosa que a liberdade encontra para se expressar, pois democratiza a vida como nenhuma outra. Este meio tecnológico está fundamentalmente ligado à liberdade: requer liberdade, exige liberdade, depende da liberdade, educa na liberdade e desenvolve pessoas defensoras da liberdade.

A importância da marca empregadora

 

Recentemente, num dos nossos IDEIAS LLYC, começámos um artigo com uma frase do filósofo japonês Kaoru Ishikama, que fazia referência ao facto de as empresas, de certo modo, serem um reflexo das pessoas que as integram. Justamente, a marca empregadora será muito mais relevante quando a cultura empresarial for mais forte, mais diferenciadora, o que é feito pelas pessoas que a compõem. Não nos podemos esquecer de que uma marca é uma pegada, e o que deixa uma marca, uma pegada, é o que é especial e diferente, que tem alguma caraterística pela qual, em determinado momento, se torna insubstituível e essencial. Não existe uma marca empregadora sem uma empresa que deixe uma pegada nos colaboradores, nos consumidores, nos clientes ou utilizadores, nos restantes stakeholders. Não existe uma marca empregadora numa organização comum, igual a qualquer outra.

O desafio não é ter uma marca opulenta e correta. Trata-se de ter uma marca que deixe uma pegada, uma marca indelével. É isto que vai fazer os colaboradores sentirem que «este é o meu lugar» e valorizarem a pertença face às tentações ocasionais (normais) de outros projetos que, pontualmente, possam parecer atrativos. Quando o mercado de trabalho está difícil, o medo domina, e as empresas que contam com talento têm uma vantagem: reter os colaboradores, e, para tal, têm de saber oferecer-lhes segurança. Qualquer mudança num contexto como o atual traz mais dúvidas do que certezas. Em princípio, todos ficamos onde estamos quando não temos outro lugar para onde ir. A marca empregadora é testada sempre que a maré do ciclo económico está alta.

Alimentar uma marca empregadora neste contexto de pandemia, de trabalho remoto, que, para nós, era inédito, é, sem dúvida, um desafio adicional. Nada está à mão, não se frequentam os lugares físicos que promovem a pertença por meio do hábito e do costume. Atualmente, está suspenso o efeito placebo que representam as viagens corporativas, o glamour das hierarquias, os escritórios, os refeitórios, os almoços, as reuniões de corredor e / ou os after hours com colegas que víamos mais do que as nossas famílias e os nossos amigos. A possibilidade de passar tempo com colegas além das interações estritamente laborais foi cancelada de um dia para o outro e há mais de um ano. Desta forma, estabelecer um vínculo com a empresa e com os colaboradores é mais difícil; se não resolvermos bem o problema desencadeado por esta mudança abrupta, a empresa perderá vigor. Pelo contrário, neste contexto, o facto de uma empresa ter os colaboradores comprometidos e motivados será uma vantagem diferenciadora.

“Não existe uma marca empregadora sem uma empresa que deixe uma pegada nos colaboradores”

As decisões partilhadas e a importância de explicar o porquê das coisas

 

Neste contexto, as decisões e os resultados devem ser partilhados e alcançados por todos, as políticas «do topo para a base» são vistas enquanto imposições, e têm poucas probabilidades de perdurar. Não se trata de um fenómeno novo, mas a pandemia aprofundou e acelerou dramaticamente esta tendência. Uma redução de objetivos que não esteja relacionada com o estado da organização já não é possível.

No processo de chegar às decisões importantes, os colaboradores exigem saber o motivo das mudanças, a razão pela qual as coisas são feitas. Para tal, é preciso que os colaboradores tenham a capacitação e a formação adequadas, que lhes permitam fazer as perguntas certas e desafiar a necessidade das mudanças. Atualmente, o colaborador é uma pessoa comprometida com uma causa, especialmente quando falamos dos talentos. A marca empregadora é também esta causa partilhada entre a empresa e os colaboradores.

Tornar isto possível implica fazer que não seja tão óbvio, capacitar as pessoas e trabalhar na diversidade num sentido amplo. A diversidade não deve ser considerada uma prática de correção política, um conjunto de opções nos índices de governo societário ou nos rankings de imagem, mas uma fonte de criatividade e de disrupção.

“O colaborador é uma pessoa comprometida com uma causa, especialmente quando falamos dos talentos”

O valor da diversidade

 

Perspetivas diferentes poderão gerar respostas mais ricas por parte de uma organização. Este é o contexto em que o funcionário capacitado, formado, o colaborador autónomo acrescentará valor, e é esta a verdadeira diversidade. Até há pouco tempo, valorizava-se o facto de uma empresa ter colaboradores cujos perfis pareciam saídos do mesmo molde e que se assemelhassem o mais possível a um determinado patrão. Tal, felizmente, mudou. Hoje, valorizam-se os colaboradores que têm formações distintas, origens diversas, preferências distintas, que façam escolhas pessoais autênticas e honestas. Hoje, a versatilidade é um valor acrescentado que as organizações têm e que podem ter para os colaboradores; mas esta versatilidade é criada, desenvolvida e mantida pelos próprios colaboradores.

Como sempre, os líderes de uma organização têm uma grande responsabilidade ao selecionarem pessoas diferentes umas das outras e, inclusive, diferentes deles, que desafiem o statu quo. O mais grave para uma organização não é quebrar; quebrar é a consequência de algo muito mais grave, que é a irrelevância. Uma empresa torna-se irrelevante num mundo dinâmico, num mundo VUCA, fazendo o mesmo de sempre, incluindo aquilo que a tornou uma empresa de sucesso. Torna-se irrelevante também quando não está preparada para dar respostas a expetativas em mudança por parte da sociedade e dos stakeholders. É fundamental desafiar a inércia, mudar e antecipar-se a um mundo que está a mudar, não se agarrar a uma fórmula de sucesso como se se tratasse de um dogma, em vez de uma ferramenta ou de uma metodologia que não garante o sucesso no futuro.

“Esta revolução nos espaços de trabalho não só modificará a estrutura organizacional das empresas, mas também o motivo pelo qual trabalhamos e ao qual vamos dedicar o nosso tempo e o nosso talento”

Recuperar a vida que merecemos

 

O mundo híbrido que visualizamos para um futuro próximo é uma consequência natural de termos vindo a compreender o vírus e de que a pandemia não será o Apocalipse. Hoje temos indícios de que a vida, apesar das segundas e terceiras vagas, voltará a ser, em algum momento, mais parecida com a que tivemos do que com esta reação natural, mas inevitável, de cancelar de uma vez por todas o contacto pessoal. Hoje pensamos em como voltar àquilo de que gostávamos na vida que tínhamos.

Queremos, em última análise, voltar a consumir, a produzir, a viver a vida que merecemos. Voltaremos às reuniões e às viagens, mas, tanto no âmbito pessoal quanto no profissional, fá-lo-emos quando for necessário e não apenas porque já era habitual. Voltaremos ao escritório, escritórios mais pequenos, seguramente, com mais espaços de reunião do que postos de trabalho individuais. Pensaremos em mais espaços de encontros do que em lugares de trabalho, que são tendências que já vinham de antes da pandemia e que aumentarão.

Esta revolução nos espaços de trabalho não só modificará a estrutura organizacional das empresas, mas também o motivo pelo qual trabalhamos e ao qual vamos dedicar o nosso tempo e o nosso talento, o que fará que ganhemos tempo, sejamos mais eficientes, mais produtivos, libertemos a criatividade, alcançando maior qualidade de vida. Tempos apaixonantes aproximam-se.

Autores

Mariano Vila
Alejandro Martínez
Mariano Botas

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