Do relacionamento à distância a uma relação de sucesso: o que precisa de saber

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«A primeira coisa que dissemos foi: “não vai ser um Zoom gigante“», declarou o produtor Ricky Kirshner à revista Variety quando o questionaram sobre o desafio que o partido democrata lhe havia colocado, a ele e ao sócio Glenn Weiss: organizar a primeira convenção do partido num formato completamente virtual.

É fácil imaginar a pressão que os experientes produtores tiveram de gerir nos bastidores da Cerimónia dos Prémios Tony de 2019. Numa corrida presidencial tão competitiva, a equipa de Joe Biden precisava de um evento que surpreendesse, que emocionasse e que conseguisse o apoio das bases, dos indecisos e de uma parte dos eleitores conservadores. Na cultura política dos Estados Unidos, e na maior parte das democracias, as fórmulas para este tipo de encontros eleitorais têm sido as mesmas há décadas. Ainda que concebidas para serem difundidas pelos meios de comunicação de massas e, mais recentemente, pelas redes sociais, a magia residia na química entre os oradores e os milhares de delegados e simpatizantes reunidos em torno deles. Aliás, a produção do próprio espetáculo estava concebida para ampliar a magia e levá-la a todos os cantos do país.

Os responsáveis por dar resposta ao desafio dos republicanos, Sadoux Kim e Chuck LaBella, também não tiveram uma tarefa fácil. Neste caso, os responsáveis pelo concurso televisivo «The Apprentice», que tornou popular a figura de Donald Trump, tinham a missão de organizar o evento como se de um programa televisivo vibrante e espetacular se tratasse, apesar de os oradores estarem rodeados de um número reduzido de pessoas.

As duas equipas fizeram um trabalho extraordinário, não só pelos resultados, mas por ser inédito e ir muito além do habitual. As duas equipas perceberam que, para fazê-lo, deviam partir quase do zero, e tiveram de conjugar o know-how, a planificação e a improvisação face à falta de precedentes a esta escala.

Nas empresas

Milhões de empresários em todo o mundo arriscam os próprios negócios diariamente em reuniões cruciais. Cresceram a prepararem-se e a prepararem as próprias organizações para serem persuasivos numa negociação, seja com um funcionário, com um cliente, com um investidor, com um regulador ou com um sócio. Trata-se de ter sucesso ou de fracassar. Desde o aperto de mão até à indumentária, desde o uso dos recursos multimédia até à gestão da comunicação não-verbal, toda a preparação era desenvolvida num contexto em que estas relações acabavam por se consolidar presencialmente.

O mundo dos negócios adotou sempre com destreza todas as ferramentas de comunicação à distância, enquanto complemento importante para a sustentabilidade da globalização das marcas, dos produtos e dos serviços. Contudo, preferia aceitar grandes esforços em contrapartida a que esse contato vital, do qual depende o futuro de um projeto, se desse face a face, no momento oportuno.

E chegou a pandemia

Os empreendedores tiveram de aceitar o facto de que a última defesa da proposta seria realizada exclusivamente através de um ecrã; e os investidores, que os líderes teriam conhecimento de uma oportunidade e que posteriormente procederiam à negociação de forma totalmente remota; e os CEO, que o diálogo com as autoridades que decidiriam a regulação das operações das empresas estaria limitado a uma videochamada; e os diretores de marketing e vendas, que o congresso no qual tinham previsto lançar o mais recente produto seria realizado num cenário virtual; e o mesmo aconteceu com a colaboração nas equipas, com a contratação e a gestão do talento imprescindível, com as aquisições, com a atenção aos clientes e, em geral, com todos os processos críticos para os quais o relacionamento é fundamental.

Todos nos vimos obrigados a substituir o uso da tecnologia como complemento pelo uso desta em modo exclusivo, em tempo recorde. Entre todos, de forma surpreendentemente «fácil», conseguimos que as iniciativas não parassem, pelo simples facto de não nos podermos encontrar pessoalmente.

“Os empreendedores tiveram de aceitar o facto de que a última defesa da proposta seria realizada exclusivamente através de um ecrã; e os investidores, que os líderes teriam conhecimento de uma oportunidade e que posteriormente procederiam à negociação de forma totalmente remota”

Com vantagens óbvias

Neste período de adaptação, verificámos, por exemplo, que os roadshows de investimento ou o processo de seleção de empresas para investir beneficiaram de importantes pontos positivos. Os mais referidos pelos consultores, fundos de investimento e diretores de relações com os investidores foram as viagens dispendiosas e a progressiva complexidade de organização que este tipo de atividades vinha exigindo. Por detrás destas deslocações está frequentemente a perda do tempo muito precioso das equipas mais seniores, que tem influência nas operações diárias das organizações.

Algo semelhante sucede com as reuniões dos Conselhos de Administração das empresas. O formato virtual trouxe vantagens para a mesa, além das poupanças em deslocações. As mais destacadas por vários CEO e membros de conselhos de administração são: o planeamento das reuniões (formato mais executivo, com agendas mais reduzidas); a incorporação de debates prévios por meio de plataformas digitais; um maior aproveitamento dos suportes documentais na nuvem; a facilidade em incluir convidados externos nos encontros e as possibilidades que a tecnologia oferece atualmente para, a qualquer momento, dividir a reunião em grupos de debate mais pequenos, inclusivamente com fórmulas personalizadas, que contribuem para a riqueza e profundidade dos debates e para a criação de confiança entre os membros dos conselhos.

Numa das práticas empresariais que maior impacto sofreram quanto a restrições, a dos congressos, é mesmo possível identificar benefícios na adoção de modelos virtuais. Durante a pandemia, vários encontros apostaram nas tecnologias de realidade virtual, obtendo excelentes resultados. É o caso paradigmático do «Laval Virtual World», encontro anual que reúne a indústria da AR/VR: na edição de 2020, que se celebrou no mês de abril, juntaram 11 000 participantes, realizaram 150 conferências, articularam dezenas de encontros paralelos e promoveram o contacto no meio virtual entre milhares de profissionais. Mais uma vez, à previsível redução de custos para os organizadores e assistentes, somaram-se outras vantagens pela flexibilidade do formato, pela extensão do tempo de networking ou pela fluidez das dinâmicas de diálogo durante as palestras suportadas por plataformas de chat, fóruns de discussão e ferramentas de trabalho colaborativo online.

Há, no entanto, impactos negativos que devemos corrigir

Promover um debate por videoconferência ou realizar uma palestra num webinar torna-se esgotante. Já o sabíamos porque o fazíamos há anos, por necessidade do guião. Não obstante, verificámos que reduzir todas as interações a este método é extenuante.

Também sabíamos que estas fórmulas de comunicação à distância não eram apropriadas para determinados processos de decisão e de cocriação. Vermo-nos obrigados a descansar todo o peso da atividade nestas técnicas gerou frustrações que, em muitos casos, se foram ultrapassando apenas por se tratar de uma necessidade pontual.

As nossas equipas e todas as pessoas que dependem dos nossos projetos, os nossos stakeholders, e, em última análise, também os nossos negócios se ressentem destes dois fenómenos. Devido à persistência da pandemia e ao aproveitamento das vantagens que acarretam, a continuidade destas práticas apresenta um enorme desafio. Tanto o esgotamento quanto a frustração minam a saúde das relações, desafiam a cultura das organizações e ameaçam os processos críticos das empresas, que implicam socialização e confiança.

“Numa das práticas empresariais que maior impacto sofreram quanto a restrições, a dos congressos, é mesmo possível identificar benefícios na adoção de modelos virtuais”

A aprendizagem das convenções democrata e republicana

Agora que esta nova normalidade veio para ficar, devemos introduzir nos momentos de decisão e de reflexão a reconceção da lógica de todos estes encontros. Não podemos reduzir a solução à reprodução do que fazíamos presencialmente numa videoconferência permanente.

Cultural e organizativo

O desafio não é menor. Repensar é simples; reaprender, um desafio infernal. Introduzir um novo processo ou uma nova ferramenta implica um esforço enorme em qualquer organização. A resistência à mudança, por mais páginas que tenhamos lido com receitas para a superar, surpreende pela constante persistência. Esquecer a rotina assumida exige questionar os princípios sobre os quais esta assenta, e nós, seres humanos, necessitamos de muito tempo para enfrentar esta realidade, e tempo é precisamente o que não temos. Não tivemos tempo com a explosão da crise, não tivemos durante a gestão da crise e não vamos ter face à imperiosa necessidade de a superar.

Por este motivo, uma das dimensões do problema é a cultural. As empresas que chegaram a esta conclusão estão a criar programas que preparam os profissionais, começando por mudanças menores, mas que trazem um impacto positivo considerável.

Tecnológico

A tecnologia facilitou e, simultaneamente, dificultou as coisas. Dispúnhamos das ferramentas, ainda que a maioria carecesse de funcionalidades para as situar no centro do relacionamento das empresas.

Os fornecedores reagiram rapidamente e lançaram-se numa corrida para melhorar os serviços: foram buscar todo o arsenal de novas funcionalidades aos laboratórios; renovaram as capacidades de administração, as lógicas de funcionamento, a utilidade, as capacidades de interconexão, e incentivaram os parceiros a inovar a partir do core dos produtos. Entre eles, as tecnologias mais solicitadas e ativas durante a pandemia foram:

  • As plataformas de VR/AR – viram renovadas as expetativas e o uso a partir da necessidade de recriar desde eventos a exposições, provas de conceito, oficinas de cocriação etc.; agora dispomos de novos espaços de realidade virtual, conteúdos interativos, conetividade com outras plataformas virtuais e com ambientes de trabalho colaborativo.
  • Videoconferência – as mais relevantes do mercado lançaram novas versões que apostam em facilitar a interação (por exemplo: gestão do uso da palavra, preparação dos conteúdos e debates prévios, distribuição dos participantes em grupos e respetiva reunião, gestão da comunicação personalizada, da tradução ou de sistemas de transcrição dos assuntos tratados); a partilha de conteúdos (uso de diferentes formatos de ecrã e melhor integração de conteúdos multimédia); a gestão das dinâmicas de deliberação (gestão de votações, comentários, grupos paralelos); a gestão ágil do vídeo e do som (atalhos para o controlo do mute e das qualidades da câmara); a disponibilidade de funcionalidades para melhorar as explicações e o look & feel (quadros, post-it, mindmaps, backgrounds), e a integração com o universo de ferramentas de trabalho colaborativo (vinculação à cloud).
  • Webinar – renovaram as dinâmicas de participação, as capacidades de gestão do orador, a vinculação a sistemas multimédia, a incorporação de suportes de formação e simuladores, a integração com diferentes groupware e CRM, os fóruns e as salas paralelas, a convivência com diferentes tipos de navegadores, apps e hw de áudio e vídeo, a gestão e o acompanhamento de convidados e assistentes, e as opções para personalizar desde o fundo até aos elementos dos menus à disposição de organizadores, oradores e participantes.
  • Colaboração e gestão de projetos e conhecimento – tal como as plataformas de videoconferência e os webinar incluíram funcionalidades de mensagens e colaboração, as centradas em facilitar o trabalho em equipa estão a fazer aquilo que se espera das mesmas, incorporando funcionalidades de comunicação por vídeo e outras semelhantes.
  • Serviços de apresentação – as ferramentas alternativas aos programas clássicos de diapositivos também estão a oferecer novas possibilidades pensadas para a utilização à distância; estão a fortalecer as funcionalidades para mostrar gráficos e vídeos de uma forma mais simples, favorecendo a integração com o resto das ferramentas colaborativas e desenvolvendo funcionalidades de diálogo em torno do conteúdo.
  • Plataformas de deliberação – com a necessidade de simplificar e operacionalizar a tomada de decisões nas reuniões, os serviços que oferecem módulos para integrar com o resto dos sistemas referidos que facilitam a recolha de ideias, opiniões e que articulam fórmulas para que os participantes preparem, valorizem e, inclusivamente, votem as possíveis alternativas, representam um excelente complemento ao resto dos modelos.

“A tecnologia facilitou e, simultaneamente, dificultou as coisas. Dispúnhamos das ferramentas, ainda que a maioria carecesse de funcionalidades para as situar no centro do relacionamento das empresas.”

Para poderem avançar

A opinião recorrente de muitos líderes de opinião é de que a pandemia levou a um avanço no uso e desenvolvimento das tecnologias de relacionamento sem precedentes. A maioria dos profissionais foi surpreendida pela relativa simplicidade com que as rotinas se impuseram, dado que as organizações ofereciam uma resistência enorme, e todos pudemos verificar que, ao fazê-lo, nos trouxeram vantagens interessantes: poupanças no que respeita a tempo e custos, maior transversalidade dentro das equipas, acessibilidade a stakeholders que, de outra forma, pareciam inalcançáveis, e uma mudança cultural que favorece a colaboração, a rastreabilidade dos processos e, curiosamente, a confiança.

Estes resultados parecem confirmar que muitas destas novas rotinas adotadas em massa, e não apenas pelos early adopters, vieram para ficar. Com este objetivo em mente, devemos empenhar-nos nestas orientações de trabalho:

  • Identificar os pontos de contacto que mantemos com os nossos stakeholders.
  • Definir os elementos comuns que queremos transferir para as experiências que queremos proporcionar aos nossos
  • Sistematizar o acompanhamento das tecnologias que melhor se adaptam aos nossos objetivos para monitorizar o constante processo de atualização.
  • Delimitar as competências e aptidões imprescindíveis que a nossa equipa exige para que a comunicação interpessoal tenha a eficácia de que todos precisamos.
  • Mapear os problemas que dão origem ao esgotamento e à frustração dos utilizadores.
  • Conceber e desenvolver por meio de guias as novas dinâmicas e funcionalidades para fazer experiências e medir o impacto positivo que têm nos nossos interlocutores e no alcance das metas que estabelecemos.
  • Preparar as nossas organizações para aproveitar estas práticas sem subestimar o esforço de reaprendizagem.
  • Dotar-nos de um painel de avaliação que incentive a aprofundar as dinâmicas que oferecem bons resultados e a eliminar as que não acrescentam valor.

Se percebermos até que ponto os nossos negócios dependem de passar da simples adaptação à antecipação, abordaremos estas tarefas com sentido de urgência e com os recursos adequados.

Só assim tiraremos proveito de todas as vantagens, minimizaremos os inconvenientes e competiremos melhor. Além disso, faremos da necessidade virtude, algo que as organizações mais bem-sucedidas sempre planearam: contribuiremos para a mudança cultural coerente com os tempos em que vivemos, reduziremos os esforços excessivos que a adaptação improvisada gerou, a ansiedade perante a revolução nas operações diárias que sofremos, e fortaleceremos a confiança de todos nos nossos projetos.

Autores

Adolfo Corujo
José Luis Rodríguez