A NOVA ERA DO MARKETING DE INFLUÊNCIA

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INTRODUÇÃO

No meio do choque que a COVID-19 provocou nas marcas e na indústria do marketing, muitas compreenderam, nas palavras de Jordi Black da Zine que “as que tinham estabelecido parcerias com influencers tinham alavancas e redes de segurança diferentes das que não tinham”. No meio de uma pandemia que representou o fecho das produções oficiais, muitas marcas tiveram sérios problemas na hora de criar conteúdo de qualidade que pudessem estabelecer relações com os seus públicos.  Com uma previsão de investimento no valor de 10 mil milhões de dólares nos próximos meses, resta saber como uma provável recessão do setor afetará estes números. Mas este é também um bom momento para refletir sobre a evolução que teve e terá a indústria do marketing de influência numa nova era.

Nos últimos dois anos, enquanto o volume de negócio dedicado a influencers não deixou de crescer, assistimos também ao desenvolvimento de um sentimento anti-influencer para o qual contribuíram, em grande medida, a explosão das fake news e a proliferação de seguidores falsos. Os casos abundam, entre eles, o de Yovana Mendoza, antes conhecida como Rawvana, uma influencer crudívora vegan que apareceu a comer peixe numa publicação de outro influencer e, face à polémica, acabou por mudar a sua identidade nas redes sociais. Experiências concretas que tiveram repercussão global por declarações ou conteúdo inadequados de influencers também levaram as marcas a pedir desculpas e manifestarem-se publicamente para se distanciar deles. Pelo caminho, surgiram inclusive casos de paródias desta situação, como o de Jenya Kenner, que deixa os seus seguidores intrigados acerca do que é real ou não, ironizando, assim, sobre a superficialidade do setor.

O principal problema da evolução do marketing de influência e do seu descrédito é que, com demasiada frequência, todos (marcas, agências e os próprios influencers) trataram uma técnica de influência com os tiques das técnicas de alcance, ficando pelo caminho valor para uma indústria que, como qualquer uma inicialmente, era “o selvagem oeste”. O ecossistema de influencers foi afetado também por marcas imediatistas, que apostaram em trabalhar com influencers de milhões de seguidores mediante pagamentos igualmente avultados sem manter nenhuma coerência com os territórios e valores das suas próprias empresas.  Isto levou a que muitos esperassem um tratamento especial e inclusive produtos dispendiosos gratuitamente sem entregar nada em troca. Um território com pouca regulamentação e onde as pessoas agiam basicamente como lhes apetecia.

Na realidade, este sentimento anti-influencer é uma oportunidade para que a indústria do marketing de influência se profissionalize. O interesse de algumas instituições contribuiu para a mudança de modelo, como a Federal Trade Commission (FTC) nos Estados Unidos, para regular este modelo de relação entre influencers e marcas. Assim como os esforços de empresas como a Kellogg´s ou a Unilever, decididas a lutar contra as contas falsas. Embora já existam normativas vigentes que se encaminham para a transparência, o seu cumprimento está a ser lento, entre outras coisas, pelas próprias reservas de algumas marcas, que acreditam que tornar a relação com o influencer explícita pode prejudicar a sua eficácia. Mesmo apesar de estudos como o identificado em 2018 pela Harvard Business Review  (realizado por Alice Audrezet e Karine Charry) o desmentirem. Por outro lado, como se destaca no relatório ‘What´s next for influencers marketing?’: “nenhum influencer consegue garantir que tem um público limpo. 1 em cada 3 influencers diz que, em algum momento do passado, lhes ofereceram followers ou engagement. Isto indica que até com as melhores intenções da sua parte, os responsáveis de marketing terão de encontrar uma maneira de ter em conta uma proporção de fake followers nas suas estimativas”.

De seguida, desenvolveremos alguns dos segredos da transformação de uma indústria que procura o seu lugar no marketing, enquanto luta contra as suas próprias contradições.

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COINCIDÊNCIA NOS VALORES E NA AUTENTICIDADE
ou Como escolher os parceiro adequados

São cada vez mais as marcas que entendem que não se trata só de ter uma rede de influencers com milhões de seguidores, mas também, e sobretudo, de criar uma melhor coerência entre os seus valores e os destes colaboradores. Esta reflexão não está só a ocorrer por parte das marcas – abundam também os exemplos de influencers que impõem o seu critério de trabalhar só com empresas com as quais partilham valores, como é o caso de Sophia Li, influencer viajante consciente de que só desenvolve colaborações com marcas sustentáveis que encaixem dentro do conceito de “conteúdo consciente”.  Esta tendência coincide com a da explosão dos influencers com propósito, centrados em causas que vão desde a saúde mental aos direitos dos animais, passando pela sustentabilidade.

Muitos influencers tornaram-se referências para os consumidores que apostam em consumir marcas responsáveis para com o ambiente. Acontece com o “testing animal” na área da beleza através de contas como @sustainably_vegan ou com o “low impact movement” impulsionado por @crueltyfreewithme ou no veganismo e nos direitos dos animais difundidos por @thatvegancouple. Hoje em dia, os influencers com propósito movem-se frequentemente perto ou dentro de movimentos ativistas como o da regulamentação das armas nos Estados Unidos – como é o caso de Emma González (sobrevivente do tiroteio de Parkland) –, a procura de uma maior educação sexual (Killer and a Sweet Thang) ou o apoio às mulheres que, na indústria da moda e da beleza, lidam com disfunções alimentares (The Chain). Todos eles são exemplos de como estas tendências se cristalizam no mundo digital e podem liderar movimentos contra as marcas, mas, sobretudo, podem ser grandes aliados para as estratégias de ativismo das mesmas.

Em 2019, o Instagram anunciou a sua intenção de eliminar os “likes” para promover a qualidade do conteúdo em detrimento de outros critérios, em linha com uma procura generalizada de uma maior autenticidade e uma menor reprodução de conteúdos pré-fabricados. Essa procura da autoexpressão e da autenticidade, à qual já fizemos referência na nossa análise de tendências de 2018 , reflete-se, por exemplo, no caso de Rianne Meijer, uma influencer que tende a realizar comparações entre imagens tratadas com filtro e outras sem ele. Uma das críticas ao setor mais repetidas recentemente tem que ver com a homogeneidade do mesmo, caso que a Paper Magazine denunciou na altura ao recompilar as 100 contas do Instagram com mais seguidores, o que permitiria perceber que a maioria eram mulheres jovens de raça branca. Nesta reportagem, chegaram inclusive a fundir imagens para estabelecer qual seria o retrato robô de uma influencer de êxito nos dias de hoje, o que evidenciou uma considerável falta de diversidade.

“Unir os valores da marca aos valores do influencer – e fazê-lo desde o primeiro momento e a partir de briefings mais flexíveis que privilegiem a autenticidade – favorece o desenvolvimento de uma relação genuína com os influencers ”

À procura de uma crescente autenticidade estão também a proliferar novas temáticas que antes pareciam distantes do mundo dito “perfeito” dos influencers – como, por exemplo, a procura da auto-aceitação ou do body positive. No extremo contrário, pode-se situar o caso de Chris Buetti, analista de dados desenvolvido por @beautiful.newyorkcity, com uma conta automatizada para a qual treinou uma IA que obtém fotos de outros perfis e carrega-os para o próprio perfil acrescentando hashtags. Outro exemplo é a proliferação de avatares digitais, alguns deles já autênticas celebridades internacionais, como é o caso de Lil Miquela, Dadeko Noonoouri ou Shudu (a primeira supermodelo digital do mundo).

Unir os valores da marca aos valores do influencer – e fazê-lo desde o primeiro momento e a partir de briefings mais flexíveis que privilegiem a autenticidade – favorece o desenvolvimento de uma relação genuína com os influencers. No fundo é uma forma diferente de os olhar: como criadores de conteúdo para os seus canais próprios e para as marcas, mas procurando algo que os estimule também – só isso possibilitará  a credibilidade que transmitem aos seguidores e um alinhamento mais natural com os valores da marca.

 ESTRUTURA DE CONVERSA ou Como desenvolver relações e não campanhas

Apesar do reinado atual do Instagram ou da emergência do Tik Tok, os influencers estão cada vez mais conscientes de que o seu futuro não pode depender de plataformas concretas, nem sequer de categorias específicas. Por isso, podemos detetar influencers cada vez mais polivalentes, que acumulam seguidores de diferentes interesses e com focos diferenciados por plataforma. De momento, as marcas estão a dar prioridade cada vez mais à expertise e à capacidade de influência real de determinados influencers em comunidades que são cruciais para a sua estratégia de marketing. Nesta linha, o trabalho com micro-influencers foi-se normalizando à medida que o KPI de engagement foi crescendo em relevância – já que a capacidade relacional destes últimos costuma ser muito superior ao dos seus colegas mais estabelecidos e profissionalizados.

Outro elemento a ter em conta no futuro é a predominância das conversas através de aplicações fechadas ou semifechadas, que dificultam a medição das estratégias como estavam a ser feitas até agora. Além da explosão das aplicações de envio de mensagens, o mundo da conversação social está a mudar com o aparecimento de ecossistemas fechados e controlados à volta de determinados influencers. É o caso da Escapex, que cria plataformas sociais descentralizadas que funcionam de maneira semelhante ao Instagram, mas com um controlo total por parte do influencer, e que já estão a ser utilizadas por personalidades como Jeremy Renner ou Alessandra Ambrosio. Desta forma, os influencers não estão dependentes no futuro do aparecimento ou desaparecimento de determinadas plataformas sociais e podem criar estratégias de monetização direta com os seus fãs sem necessidade do patrocínio de marcas.

Detetar as novas comunidades torna-se uma necessidade para as marcas na hora de as associar aos relatos que desenvolvem em determinados territórios, como os do lifestyle ou da cultura urbana

Por outro lado, as marcas mais avançadas estão a construir estratégias que combinam a criação de conteúdo com o marketing de influência e fazem-no através do trabalho estável e, a longo prazo, mais do que pelo lançamento de campanhas ou ações pontuais. Uma estratégia que só se foque em influencers ou só em conteúdo em websites ou redes perderá a oportunidade de realmente tirar proveito das ferramentas disponíveis e formatos que existem hoje. Construir estruturas de conversação baseadas em relatos de marca nas quais nem todos os perfis desempenham o mesmo papel, mas todos desempenham um papel dentro da conversação, é fundamental para obter resultados eficazes. Quanto aos conteúdos, por esta altura, sabe-se que o reinado pertence ao vídeo, mas não se deve descartar outros formatos em ascensão, como o do áudio (com os podcasts a liderar), que também está a funcionar cada vez melhor e são mais económicos de produzir.

Detetar as novas comunidades torna-se uma necessidade para as marcas na hora de as associar aos relatos que desenvolvem em determinados territórios, como os do lifestyle ou da cultura urbana. A criatividade que algumas destas comunidades de tendência desenvolvem no mundo digital está frequentemente relacionada com uma democratização do artístico através das redes sociais. Entre elas, destacam-se, por exemplo, as que optam pela falsificação para realizar intervenções criativas, as que trabalham o atributo de qualidade a objetos mundanos, os criadores de filtros digitais de realidade aumentada e de memes, ou inclusive o ressurgimento da criação narrativa através das redes. Grande parte do talento criativo mais subversivo e relevante da atualidade utiliza as redes (e sobretudo, o Instagram) como campo de batalha e representa uma oportunidade para as marcas que o saibam detetar e fazê-lo crescer conforme os seus objetivos.

 ADVOCACY COM CLIENTES E COLABORADORES
ou Como construir influência além dos influencers profissionais

Em 2018, a Macy’s lançou a Style Crew, uma comunidade formada a partir da expertise dos seus próprios funcionários e focada na partilha de conselhos de estilo e beleza online com os clientes.  Como comenta um relatório do Influencer Marketing Hub, “o advocacy de clientes e colaboradores existe, mas relativamente poucas empresas se deram conta do potencial que tem. Isto tende a mudar à medida que os negócios reconhecem que, embora estas pessoas não tenham o maior número de seguidores, o seu entusiasmo e conhecimento dos produtos e serviços da empresa servem para compensar o seu alcance mais reduzido”.

Em linha com a coerência de valores e a procura da autenticidade que comentávamos anteriormente, mas também com a eficácia na comunicação, parece lógico que as marcas comecem a aperceber-se do potencial por utilizar de embaixadores de marca credíveis que têm entre os seus próprios colaboradores e clientes. A ideia de superfãs foi-se desenvolvendo timidamente no mundo das marcas através de plataformas como a Zyper, que utiliza IA para estabelecer contacto entre marcas com 1% dos seus cliente top (e não com os influencers tradicionais). A Zyper permite interagir com estes fãs sobre recomendações de produto e permite que estes se transformem em verdadeiros embaixadores de marca através de acesso a produtos gratuitos.

Na mesma linha, a Adidas lançou o The Creators Club, um programa de membership que dava a possibilidade aos seus consumidores mais entusiastas de ter acesso antecipado a produtos, eventos e promoções especiais. Como destaca a Fast Company, este modelo de relação foi evoluindo até permitir aos próprios membros da comunidade vender produtos da Adidas, passando da influência à venda social.

No caso do advocacy com colaboradores, é frequente as empresas continuarem a pecar pela falta de comunicação entre departamentos, assim como cada vez abunda mais o desenvolvimento de programas de embaixadores para a atualidade corporativa das empresas. No entanto, esquecemo-nos com frequência da capacidade de gerar confiança em terceiros através das estratégias de marketing ou de produto. Uma visão mais integrada do potencial destes superfãs internos permite sempre melhorar o impacto e a coerência das mensagens, ao mesmo tempo que desenvolve o orgulho de pertença dentro das organizações.

NOVAS MANEIRAS DE MEDIR o Como enfrentar o dilema da rentabilidade

A pergunta básica que, hoje em dia, ainda se continuam a colocar muitos responsáveis de marketing na hora de empreender estratégias de influência é a de como medir o seu ROI. Segundo um relatório da Zine do ano passado, metade dos responsáveis participantes manifestaram que, apesar de o seu conhecimento sobre como funciona o marketing de influência ter aumentado, ainda continua sem estar ao mesmo nível de transparência que outras áreas do marketing digital e, em concreto, assinalam dois aspetos que afetam diretamente o ROI: preços e públicos-alvo. 42% dos inquiridos reconheciam pedir comprovativo do número de seguidores e engagement e só 18% de relatórios sobre o componente demográfico dos números desses influencers. A incerteza sobre o facto de poder estar a pagar por um público ou um engagement que não são reais continua a ser um dos grandes medos dos responsáveis de marketing e desde a indústria, isto só se pode combater com um maior grau de transparência à medida que se avança na profissionalização. 

A falta de standards para o pricing ou a pouca acessibilidade a métricas fiáveis escalonáveis também não contribuem para a sensação de insegurança de muitos responsáveis de marketing. Assim, enquanto nas marcas o foco esteja cada vez mais em métricas de engagement e vendas diretas, do outro lado, 75% dos influencers do relatório da Zine dizem que se sentiriam mais cómodos se as marcas se preocupassem mais com a qualidade do conteúdo quando elaboram uma colaboração. Além dos âmbitos de alcance ou de engagement, a reivindicação dos influencers da qualidade do conteúdo como métrica tem sentido se a entendermos em termos de relevância e analisarmos como pode contribuir num contexto de estrutura de conversa um determinado influencer ou conteúdo. 

“A falta de standards para o pricing ou a pouca acessibilidade a métricas fiáveis escalonáveis também não contribuem para a sensação de insegurança de muitos responsáveis de marketing.”

Este artigo foi realizado com a colaboração de Catalina Agudelo, Vanessa Balcázar, Nuno Cunha, Isabelle Leal, Bárbara Martínez de Irujo e Carla Martins.

Autores

David González Natal

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